O placar apertado da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) desta quarta-feira (8) dá sinais de como o colegiado se comportará nas próximas reuniões, além de descartar a possibilidade de a Selic acabar 2024 em apenas um dígito, como previsto até então.
Essa é a visão de analistas de mercado ouvidos por CNN sobre a decisão de cortar os juros em 0,25 ponto percentual (pp), elevando a taxa básica para 10,50% ao ano.
Dos nove membros votantes, cinco – incluindo o presidente Roberto Campos Neto – eram a favor da desaceleração do ciclo de flexibilização monetária, para 0,25 pontos; enquanto os outros quatro — todos indicados pelo atual governo — optaram por manter a redução de 0,5 p.p.
Especialistas destacou que a postura reforça as preocupações do BC com o cenário externo, que se mostra mais adverso e volátil, além de olhar para a política fiscal do país.
Mas, além disso, os economistas chamaram a atenção para a forma como a divisão sinaliza o futuro do Comité.
“Há unanimidade entre os novos diretores. [O que] eventualmente sinaliza para um BC que num futuro próximo ele poderá ter uma posição mais pacifista [suave]por juros mais baixos”, avalia Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master.
Na mesma linha, Beto Saadia, economista e diretor de investimentos do Nomos, destaca que a divisão do colegiado é algo raro e que “obviamente sinaliza um pouco da filosofia de como será o Banco Central no futuro”.
O mandato de Campos Neto à frente do BC termina no fim do ano. A sucessão é acompanhada tanto no mundo político quanto no mercado, já que a postura do presidente por vezes entrou em conflito com a posição do governo Lula, principalmente na questão dos juros.
Após reaproximação entre o presidente do município e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a divisão entre o governo e Campos Neto parecia ter permanecido em 2023, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a criticar a indicação de Bolsonaro ao BC e os cortes nas taxas de juros em março.
Pressões inflacionárias
O Copom já havia sinalizado que poderia adotar maior cautela, uma vez que as pressões inflacionárias permaneciam persistentes tanto no mercado interno quanto no exterior.
Na ata da reunião de março, a última antes da reunião desta quarta, parte do Comitê já sinalizava redução no ritmo de redução dos juros em função das incertezas.
Segundo o boletim Focus divulgado nesta segunda-feira (6), o mercado já apontava para essa possibilidade ao mostrar que os economistas elevaram a estimativa para o nível dos juros no final de maio para 10,50%, interrompendo uma sequência de 38 semanas em 10 0,25%. As previsões concretizaram-se esta quarta-feira.
O documento, que reúne as expectativas dos analistas sobre uma série de indicadores econômicos, também apontava a Selic em 9,63% ao final do ano.
Com a decisão desta quarta-feira, porém, os analistas já veem que a taxa básica deve permanecer nos dois dígitos até o ano que vem.
“Projetamos, por enquanto, a Selic em 10,25% ao final de 2024, com outro corte de 25 pontos-base. Aguardamos a ata da reunião, que será divulgada na próxima terça-feira (14), para termos mais detalhes sobre os rumos da política monetária”, informou o C6 Bank em nota.
O cenário deve permanecer rígido até o final do ano, segundo avaliação de Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimentos.
“Nas atuais circunstâncias, o mercado já não acredita que exista possibilidade de uma taxa de juro ao nível de um dígito em 2024”, destaca.
A desaceleração, segundo o BC, teve como objetivo proteger o processo de desinflação que já se verifica no Brasil em meio a pressões inflacionárias, como o mercado de trabalho aquecido e incerto no exterior.
“Essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação em torno da meta no horizonte relevante, que inclui o ano de 2025”, escreveu o Copom em nota.
Para Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, a expectativa é que o corte de 0,25 ponto na taxa seja mantido nas próximas reuniões, encerrando a Selic em 9,25% este ano.
“Além disso, com expectativas de taxas de juros mais elevadas, já precificadas pelo mercado, poderemos observar uma desaceleração mais pronunciada da atividade, revertendo a melhora incipiente do mercado de crédito observada no primeiro trimestre”, afirmou em nota. .
Por um lado, há a percepção de que a medida deve ancorar expectativas e sinalizar a responsabilidade do Copom perante o mercado.
“Essa medida poderá fortalecer a confiança do mercado de que a inflação permanecerá sob controle”, avalia André Colares, CEO da Smart House Investments.
“Decisão incompatível”
Olhando para os sectores da economia, nem todos os partidos acolheram bem a notícia.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) foi uma das entidades brasileiras que não viu com bons olhos a desaceleração dos cortes nas taxas de juros.
“Essa decisão é incompatível com o atual cenário de inflação controlada e inviabiliza a continuidade do projeto de neoindustrialização do país com taxas de juros elevadas”, afirmou o presidente da CNI, Ricardo Alban, em nota.
“Reduzir o ritmo de corte da alíquota básica tira a oportunidade do Brasil de alcançar maior prosperidade econômica, aumento de emprego e renda.”
A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) também se mostrou preocupada com o alto nível das taxas de juros da indústria nacional.
“Mesmo com a queda de 0,25 ponto percentual decidida nesta quarta, a Selic continua elevada, o que inibe o crescimento sustentado e sustentável do PIB e dos investimentos produtivos”, disse a associação em nota.
E num cenário de elevado endividamento do país, em que muitos conseguem recuperar o acesso ao crédito através de programas como o Desenrola Brasil, o Sebrae alerta para o aumento do custo dos empréstimos.
“Ainda é um valor muito alto. Entendemos que o Banco Central está preocupado com o cenário externo mais delicado e talvez com as contas públicas, mas não há motivos para voltar atrás”, disse o presidente do Sebrae, Décio Lima, em nota.
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