Há cerca de 15 milhões de anos, o favorecendo grandes herbívoros – que pesava mais de uma tonelada – e diminuição no número de presas de tamanho médio foram fatores decisivos na extinção de predadores carnívoros.
Um estudo liderado por cientistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e com a participação de instituições da Espanha e da Suécia reconstruiu detalhadamente as condições desse período para descobrir como as extinções poderiam gerar um efeito cascata. Foi publicado na revista Ecology Letters em maio deste ano.
A Península Ibérica, território que hoje abrange Portugal e Espanha, era um paraíso da biodiversidade há cerca de 20 milhões de anos. Animais semelhantes aos que constituem a megafauna africana actual – por exemplo, versões ibéricas e mais antigas dos rinocerontes, elefantes e gatos actuais – pastavam ou caçavam em ambientes com muitas espécies de presas e predadores.
Há cerca de 15 milhões de anos, porém, uma queda acentuada das temperaturas, combinada com um clima cada vez mais árido, tornou a paisagem diferente. A vegetação tornou-se mais aberta, em detrimento das florestas fechadas. Isto favoreceu os grandes herbívoros, que prosperaram enquanto os seus homólogos de tamanho médio foram extintos. Como resultado, a disponibilidade de presas para os carnívoros também foi reduzida. Era mais difícil caçar animais como os gonfóteros, que mediam 3 metros de altura e pesavam mais de 2 toneladas (parente do elefante que tinha quatro presas) do que veados, que chegavam a pesar 30 quilos, por exemplo.
O estudo reconstruiu e analisou a maior série temporal de teias alimentares até hoje, de 20 milhões de anos atrás até o presente. As análises foram possíveis graças ao mais completo banco de dados de mamíferos do período, compilado a partir dos registros fósseis da região, um dos mais bem estudados e completos do mundo.
A Península Ibérica é conhecida pela abundância de fósseis da sua fauna extinta, o que nos permitiu compreender como os ecossistemas mudaram e como as espécies evoluíram há milhões de anos.
“Os registros fósseis são de vários sítios paleontológicos. O banco de dados que analisamos apresenta a composição de espécies da região em altíssima resolução. Para cada grupo de animais, há informações detalhadas como tamanho corporal, tipo de alimentação, forma de locomoção, etc. Com isso, foi possível inferir, para um determinado local, em um determinado período, quem predava quem e como. isso mudou com o tempo”, explica João Nascimento, primeiro autor do artigo e bolsista de doutorado da FAPESP no Instituto de Biologia (IB-Unicamp).
“O objetivo do projeto é entender como as interações ecológicas podem influenciar os principais padrões evolutivos, principalmente o surgimento e a extinção de espécies. A grande dificuldade desse tipo de estudo é que raramente há informações sobre como as espécies interagiram no passado. A ideia foi usar ferramentas estatísticas e modelos matemáticos sobre dados fósseis para preencher essa lacuna de conhecimento”, diz Mathias Pires, professor do IB-Unicamp apoiado pela FAPESP, que orientou a pesquisa.
Simplificação
O processo que ocorreu na Península Ibérica ao longo de 15 milhões de anos é conhecido como simplificação das redes alimentares, um fenómeno muito presente nos ecossistemas atuais. Também é conhecido como homogeneização, quando algumas espécies generalistas substituem outras raras e especializadas.
“Da mesma forma, como vemos em algumas populações atuais, estamos testemunhando a mudança na composição das comunidades de herbívoros e dos predadores que delas se alimentam. Na escala ecossistêmica, isso tem muito mais impacto do que a simples perda de uma ou outra espécie”, destaca Pires.
Como consequência das mudanças nas comunidades herbívoras, a longevidade dos predadores estava diretamente relacionada ao seu risco de extinção. Os modelos matemáticos mostraram que aqueles que tinham menos presas disponíveis eram aqueles que desapareciam do registo fóssil com mais frequência ao longo do tempo.
“O papel das interações ecológicas na influência dos padrões de extinção ao longo do tempo evolutivo é claro. Portanto, precisamos de considerar um contexto ecológico mais amplo para desenvolver estratégias de conservação para preservar os predadores nos seus ecossistemas”, disse Fernando Blanco, coautor do estudo e investigador da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, num comunicado de imprensa.
Segundo os autores, o estudo destaca a necessidade de conservar diversas populações de presas para manter as populações de predadores, mantendo redes ecológicas estruturalmente robustas.
“A extinção de um grupo de espécies tem um efeito cascata sobre outros, o que é extremamente prejudicial para os ecossistemas e para os serviços que prestam. Temos a oportunidade única de compreender o que aconteceu no passado e o que está acontecendo agora para intervir e evitar que novas extinções ocorram”, finaliza Pires.
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