O Brasil tem 18,1 milhões de crianças com idade entre 0 e 6 anos, conhecida como Primeira Infância. Destes, mais de metade – 10 milhões – vivem em famílias de baixos rendimentos.
Três em cada quatro destas famílias são chefiadas por mães solteiras.
Além disso, 46% das famílias com crianças nesta fase vivem sem acesso a rede de esgotos.
A precariedade se reflete diretamente em outro indicador: a fome. Todos os dias, 5,4 milhões de crianças até aos quatro anos vivem com algum grau de insegurança alimentar.
Os dados fazem parte de um levantamento da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, feito com base em números do IBGE e do Ministério do Desenvolvimento, Assistência Social, Família e Combate à Fome.
“Se você está com fome, não adianta falar em saúde e educação”, afirma Mariana Luz, CEO da Fundação, que foca em questões da Primeira Infância no Brasil. Mariana é uma das novas pessoas indicadas pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva para o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável, o chamado Conselho.
Na ocasião, Lula assinou o decreto que institui a Política Nacional Integrada para a Primeira Infância. Embora estivesse prevista no Marco Legal da Primeira Infância, que data de 2016, a Política Nacional ainda não havia sido implementada. Após a assinatura do decreto, ocorrida no final de junho, deverá ser criada uma comissão que terá até 120 dias para apresentar propostas de implementação desta política.
“Espero que seja menos de 120. Acho que podemos fazer isso em dois meses, porque precisamos ter isso para que o trabalho comece, na prática, a chegar às crianças”, disse Mariana em entrevista ao CNN Brasil. Segundo ela, hoje o Brasil investe na terceira idade seis vezes mais do que é destinado a crianças e adolescentes, quando a média geral em outros países é o dobro. Mariana faz questão de reiterar que não se trata de uma disputa entre fases da vida. Para ela, porém, é importante conscientizar as pessoas de que o envelhecimento saudável começa cedo.
Hoje já existem muitas pesquisas que associam uma infância saudável e plena a melhores níveis de aprendizagem, com impacto ao longo da vida adulta. O ganhador do Nobel de Economia James Heckman realizou um estudo que demonstra que para cada dólar investido na Primeira Infância, a sociedade recebe 7 dólares de retorno, considerando fatores como redução de gastos com saúde ou criminalidade, por exemplo.
Os especialistas consideram esta fase de extrema importância porque ao final deste período a criança terá estabelecido 90% de suas conexões neuronais. Em nenhum outro momento da vida a atividade cerebral é tão intensa. Fatores como fome, doenças, falta de estímulos necessários ou violência impactam diretamente nessa formação.
O Índice de Capital Humano, criado pelo Banco Mundial para destacar a importância de investir no desenvolvimento das pessoas, mostrou em sua edição mais recente que, nas condições atuais do Brasil, se nada mudar, uma criança nascida em 2019 terá alcançado apenas 60% do seu capital humano potencial quando você completar 18 anos.
Para Mariana Luz, mudar esse cenário é exatamente o objetivo da Política Nacional. “Essa é uma peça que falta na agenda nacional da Primeira Infância. Todo esse conjunto de evidências que se solidificaram em relação à importância dos primeiros anos de vida para quebrar a pobreza, quebrar as desigualdades, e para olharmos de forma estruturada para os desafios do Brasil no campo da educação, da saúde, da assistência, da economia , e a proteção e a justiça têm a ver com esta ação integrada”.
Inicialmente, o comitê a ser criado será composto por membros da Casa Civil, de outros 14 ministérios e da sociedade civil.
Segundo Mariana, o Casal Civil cumpre aqui bem o seu papel, monitorando, coordenando e articulando, não só entre setores como saúde, educação, assistência social, segurança, entre outros, mas também entre as esferas de governo – federal, estadual e municipal.
“O que esta política faz é coordenar as ações setoriais da Primeira Infância. E isso precisa acontecer nas diferentes Unidades Federativas. Não se pode ter uma política nacional de vacinação pensando apenas na saúde. Porque a criança será sustentada pela educação e pela assistência social. Ela precisa desses serviços para chegar até ela de forma integrada e conectada porque senão acaba sendo jogada de um lado para o outro e muitas vezes de forma ineficiente.”
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