Em seu primeiro ano de vigência, a sobrevivência do novo marco fiscal fica ameaçada se o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não avançar com medidas de revisão de despesas obrigatórias.
Um dos defensores dessa visão é o especialista em contas públicas Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos. Em relatório distribuído aos clientes, ele aponta “inovações positivas” no novo marco em relação ao extinto teto de gastos (como a regra de limite de despesas com reajuste de 70% da variação real da receita e a possibilidade de acionamento fiscal acionamentos em caso de descumprimento das metas estabelecidas), mas destaca que até o momento “nenhuma medida adicional foi tomada para permitir o funcionamento duradouro da nova regra”.
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O impasse, que, na avaliação do economista, é semelhante ao que culminou com o fim do antigo teto de gastos, tem causado estresse nos mercados e tem se refletido na recente alta do dólar e na alta dos juros futuros curva de taxa. Temendo a incapacidade da actual administração de cumprir a regra fiscal que ela própria criou, os agentes económicos exigem cortes nas despesas.
“Pelas regras atuais, as despesas obrigatórias aumentam mais rapidamente do que o limite de gastos estabelecido pela nova regra, que comprime as despesas discricionárias, excluindo alterações. Tal compressão, em algum momento, inviabilizará o funcionamento da administração pública, e, diante desse risco, a decisão possivelmente será enfraquecer ou revogar a nova regra fiscal”, avalia Salto.
No relatório, o especialista estima cenários envolvendo um dos diferentes caminhos que estão sendo discutidos pela equipe econômica do governo federal: o de desvincular as receitas dos pisos constitucionais com a Saúde – de 15% da receita corrente líquida (RCL) – e com a Educação – de 18% da receita tributária líquida de transferências para entes subnacionais (RLI). Um tema que já é objeto de resistência no Partido dos Trabalhadores (PT).
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As actuais regras de interligação, diz o economista, significam que as despesas com a Saúde e a Educação crescem necessariamente mais rapidamente do que o limite de despesa global estabelecido pela regra do enquadramento fiscal. Isto contribui para um estrangulamento das despesas discricionárias no médio e longo prazo – que, se mantidas sem que sejam tomadas medidas sobre outras despesas obrigatórias, inviabilizariam o cumprimento do novo enquadramento das contas públicas.
No relatório, Salto destaca que, do ponto de vista do espaço fiscal gerado, a mudança do mínimo constitucional para a Saúde produz mais efeitos do que para a Educação − o que só culminaria na redução de despesas na próxima década − e faz algumas simulações de cenários possíveis.
Hipóteses para a Saúde
Se a mesma regra de correção do quadro fiscal for aplicada ao mínimo da Saúde com referência aos gastos reais do ano passado, o especialista estima um ganho de R$ 9,10 bilhões no próximo ano (resultante da diferença entre os R$ 215,1 bilhões estimados com a regra atual e R$ 215,1 bilhões estimados com a regra atual e R$ 206 bilhões com a correção das despesas deste ano pelo ajuste projetado pelo limite de despesas previsto no marco fiscal), R$ 12,49 bilhões em 2025 e R$ 14,97 em 2026.
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Esse cenário dependeria da aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que, na prática, derrubaria o conceito de vinculação dessas despesas à receita corrente líquida. Outro caminho seria mudar o próprio conceito de RCL com base na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), discussão em curso na equipe econômica, conforme antecipa relatório do InfoMoney. Nesse caso, a mudança poderia ocorrer por meio de projeto de lei complementar no Congresso Nacional.
“A alternativa seria utilizar outro conceito de receita e/ou alterar o percentual de 15% utilizado na regra mínima atual. Por exemplo, o ganho obtido de R$ 9,1 bilhões em 2025, registrado na Tabela 1, no Cenário A, seria possível com uma mudança no conceito de receita cuja expressão quantitativa fosse aproximadamente R$ 60,5 bilhões inferior à receita corrente líquida. Assim, reduzir a base por esse valor, multiplicado por 15%, resultaria em R$ 9,1 bilhões”, pontuou o especialista.
Como exercício de impacto, Salto destacou que a mesma economia poderia ser gerada com uma redução de 15% para 14,4% no piso constitucional, considerando uma projeção de R$ 1,396 bilhão para a receita corrente líquida. Nesse caso, também seria necessário avançar via PEC – uma proposta com regime de tramitação mais complexo e exigência de quórum maior no parlamento: 3/5, com dois turnos de votação em cada uma das casas legislativas.
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Hipóteses para a Educação
O especialista também avaliou a situação do mínimo constitucional para a Educação. Ele observa, porém, que no ano passado o gasto mínimo neste caso foi de R$ 66,4 bilhões (e seria de R$ 94,4 bilhões se a regra constitucional fosse aplicada), mas o governo federal gastou um valor bem maior: R$ 100,8 bilhões.
“Ou seja, o governo gastaria acima do mínimo exigido, mesmo com a nova regra”, observou. “Essa é uma prática observada pelo menos desde 2010. Portanto, uma mudança na regra que eventualmente reduzisse os gastos mínimos com educação provavelmente não traria ganhos fiscais, pois é razoável supor que os gastos continuariam com sua própria dinâmica e acima do mínimo. Ou seja, o piso da educação hoje não é uma restrição ativa ao reajuste dos gastos da União.”
Unificação de pisos
Outro cenário testado pelo economista envolve a criação de um piso de gastos conjunto para Saúde e Educação, considerando que ambas são vistas como essenciais, mas podem apresentar necessidades de financiamento distintas, dependendo do contexto.
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Neste caso foram testados 2 cenários: 1) combinação dos dois pisos, acrescentando em cada ano o valor resultante da aplicação de 15% sobre o RCL, sendo o valor decorrente da incidência de 18% sobre a receita fiscal, líquida de transferências ; e 2) somatório dos mínimos de 2024 e correção do valor pelo mesmo fator limite de despesas do novo marco fiscal.
Ganhos foram observados em ambas as hipóteses. Na primeira, há um ganho maior no início, mas cai até chegar a zero em 2032. “O espaço fiscal gerado nesta opção consiste em cortar despesas com saúde que excedem o piso da educação. Como a nossa projeção de gastos com educação ultrapassa o mínimo até igualá-lo em 2032, o ganho vai diminuindo, deixando de existir nesse ano”, explicou o especialista.
Com a utilização da correção do limite de despesas com base no mínimo unificado, a situação se inverte, com ganhos menores no início, mas crescentes – superando o primeiro modelo em 2028 e alcançando uma economia de R$ 32,73 bilhões em 2033.
“Os ganhos crescentes se devem ao fato de que, pela regra atual, os mínimos em ambas as áreas acompanham a evolução da receita na mesma proporção, enquanto o limite de despesas do quadro também acompanha a arrecadação, mas com a aplicação do fator de 70% (ou 50%) da variação real”, destacou.
Apesar dos ganhos destacados com possíveis alterações nos pisos constitucionais, Felipe Salto argumenta que o efeito fiscal gerado por esta medida corresponde a uma “pequena parcela” do ajuste total necessário para gerar o superávit primário necessário à estabilização da dívida pública.
E aponta como possíveis medidas adicionais a dissociação entre receitas e emendas parlamentares, a dissociação da previdência e assistência em relação ao salário mínimo e a redução da complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e da Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
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