O baixo volume de chuvas, a perspectiva de formação do fenômeno La Niña e um mercado com pouca volatilidade nos últimos dois anos contribuíram para um salto nos preços futuros da energia elétrica no mercado livre, especialmente nos últimos meses.
Segundo especialistas, esse movimento poderá se intensificar no segundo semestre.
Para se ter uma ideia, no mês passado, o cenário de volatilidade de preços fez com que o BBCE, principal plataforma de comercialização de energia do país, registrasse “o melhor maio dos 12 anos em que está em operação”, com a negociação de 50.929 mil gigawatts- horas (GWh).
Em volume financeiro, as transações registradas no período totalizaram R$ 6,31 bilhões.
Os números de junho ainda não foram finalizados, mas a alta registrada nos índices de preços consultados pelo Dcide demonstram que o mercado deverá continuar aquecido.
No boletim mais recente, do dia 19, o preço da energia convencional para entrega no próximo trimestre mais que dobrou em relação ao divulgado há um mês.
Para o coordenador de pesquisa de mercado da consultoria Thymos Energia, Pedro Moro, o principal fator que explica esse movimento são as chuvas abaixo da média dos últimos meses, principalmente no submercado Sudeste/Centro-Oeste, considerado a “caixa d’água” do país para concentrando a maior parte do armazenamento.
No setor elétrico, esse indicador é medido pela Energia Natural Influente (ENA), que é o volume de água que chega aos reservatórios das hidrelétricas.
“Em maio tivemos a segunda pior ENA da história. E agora, em junho, a projeção continua muito ruim. A expectativa é que seja a pior da história”, disse em relação ao subsistema e considerando a série histórica do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que é de 94 anos.
“Nestes dois meses, essa ENA negativa ajudou muito na elevação dos preços”, avaliou.
Ele ressalta ainda que, embora atualmente não haja previsão de atraso no início do período chuvoso, fator associado à ocorrência de La Niña, a expectativa é que a ENA permaneça pobre no Sudeste/Centro-Oeste até então.
Um relatório recente do Itaú BBA levantou outro ponto de atenção: a pouca água retida no solo.
Segundo o documento, o solo da região Sudeste está em níveis não vistos desde 2021 para esta época do ano, ano da última crise hídrica.
“Embora os reservatórios do Sudeste pareçam estar atualmente em nível confortável, o balanço dos recursos hídricos ao final do período chuvoso é a quarta pior leitura desde 2005 para esta região do Brasil”, afirma o documento.
Na prática, isso é importante porque quanto mais seco o solo, mais água ele absorve, o que leva mais tempo para que a chuva tenha impacto no armazenamento e nos níveis de fluxo das plantas.
Condições de mercado
O líder de inteligência de mercado da consultoria PSR, Mateus Cavaliere, afirma que, embora o último período chuvoso “não tenha sido espetacular”, foi razoável e permitiu aumentar os níveis dos reservatórios das hidrelétricas, que ainda são a principal fonte de energia elétrica do país. país e, portanto, pesam mais na formação de preços.
Ele afirma que o país está em condições “muito mais confortáveis” do que em 2021 e lembra que o mercado tem sofrido com os baixos preços da energia nos últimos dois ou três anos, o que leva a uma operação mais sensível às incertezas.
“Nossa leitura é que tudo o que está acontecendo hoje não precisa ser necessariamente uma verdade gravada em pedra, mas sim uma suposição, já deixa as pessoas bastante nervosas”, avaliou.
Ele afirmou que, numa análise fundamental, é difícil que esses altos preços futuros se concretizem, dados os níveis dos reservatórios e o excesso de oferta de energia.
“Agora, quando consideramos esse componente de aversão ao risco dos agentes, com muito medo de, por exemplo, atraso no início do próximo período chuvoso, devido à formação de La Niña, isso, de alguma forma, está impulsionando esses preços sobem”, acrescentou.
Para Moro, especialista da Thymos, a percepção de curto prazo é de mercado imediato.
“A volatilidade de curto prazo por motivos pequenos ou ENA muito baixa em um determinado mês altera toda a curva”, disse, em relação aos preços de longo prazo, que também estão subindo.
A consultoria atualizou suas projeções de preços e espera aumento do Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) semanal na próxima semana.
Cavaliere, da PSR, lembra que a própria volatilidade pode ter contribuído para o movimento de alta, em efeito cascata.
“Como você tem essa alta de preço, depende de como a empresa está, se ela tem mais contratos vendidos do que energia.
Ou se ainda tiver muito para vender, existem alguns limites, geralmente em áreas de risco, que chamam de mandatos. E, muitos deles, com essas subidas repentinas, foram quebrados”, explica.
Neste contexto, os próprios comercializadores, ou mesmo os geradores, foram obrigados a comprar ou vender energia para garantir o cumprimento.
“E aí você gerou, de alguma forma, uma demanda que não existia, e muito rapidamente”, completou.
Ele afirma, porém, que esse fator tem peso menor que os demais já citados, principalmente no que diz respeito à hidrologia.
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