A Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (Abicann) estima que o Brasil deixará de movimentar cerca de US$ 30 bilhões — ou R$ 167,81 bilhões na cotação desta sexta-feira (28) por ano devido à falta de regulamentação da indústria da cannabis. maconha.
Uma indústria que vai muito além do consumo pessoal de maconha e do uso medicinal. As áreas de pesquisa, agronegócio — com produtores de todos os portes — e agroindústria estão entre os destaques listados pelo presidente da associação, Thiago Ermano.
“A principal delas é a agroindústria, que tem capacidade para produzir cerca de 50 mil itens com a matéria-prima dessa planta. Do muro de concreto ao plástico, e até alimentos e remédios, tanto para humanos quanto para animais”, afirma o presidente da Abicann.
O cânhamo é uma das variações da Cannabis sativa – a espécie de maconha. Sua fibra é conhecida por possuir grande resistência e durabilidade, a ponto de ter sido utilizada como matéria-prima para velas e cordas de caravelas na época da Grande Navegação.
Além da aplicação medicinal da maconha, também se estuda como sua fibra pode ser utilizada para produzir plásticos e concreto biodegradáveis. Um grupo de estudos da Universidade de São Paulo (USP) chegou a debater como tecido de cânhamo pode ser usado para promover moda mais sustentável.
E o benefício potencial para o meio ambiente que a regulamentação do mercado de maconha poderia trazer vai além de produtos mais verdes.
“O cultivo da maconha também ajuda a reduzir os gases de efeito estufa e até a restaurar o solo”, aponta Ermano.
“É o tipo de planta que na agricultura pode ser utilizada junto com a soja ou o tomate para otimizar a produtividade”, diz o presidente da Abicann, destacando pesquisa nesse sentido do engenheiro agrônomo e professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Derly José Henriques.
“A maconha ainda é capaz de absorver metais pesados. Ele extrai e oxigena, as raízes vão bem fundo e deixam o solo oxigenado”, diz ela.
De acordo com os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) — centros de pesquisa que formam a agência de pesquisa biomédica do Departamento de Saúde dos Estados Unidos —, o cânhamo tem sido usado com sucesso desde 1998 para revitalizar terras agrícolas contaminadas pelo desastre nuclear de Chernobylem 1986.
“E depois de aplicada, a fibra dessas plantas [de Chernobil] Ainda pode ser utilizado na indústria”, destaca Ermano.
O exemplo de aplicação ambiental não se limita à Europa e pode fornecer uma assistência próxima da realidade brasileira.
“Olha o Rio Grande do Sul. A cannabis poderia ser usada para criar um cenário de recuperação ambiental nas margens dos rios, por exemplo. É uma bioeconomia perdida num momento da história da humanidade em que são necessários solo, oxigênio e água limpa”, finaliza o presidente da Abicann.
Com a amplitude das aplicações, a Abicann estima que 21 setores da economia seriam beneficiados e seriam criados 400 mil empregos – a maioria deles em nível técnico – com a regulamentação dessa indústria no Brasil.
Obstáculos
Atualmente, dois projetos de lei sobre o tema tramitam no Congresso. Um deles visa regular o uso de Cannabis para fins medicinais, tanto humanos como veterinários, e industriais. A outra, para estabelecer uma política nacional de fornecimento gratuito de medicamentos à base de substâncias de maconha.
Ambos estão suspensos desde o ano passado, sem expectativa de votação.
Enquanto isso, o Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) afirma ter plenas condições para iniciar pesquisas voltadas à produção de cânhamo no Brasil e aguardando autorização.
“É urgente regulamentar a lei que garante o cultivo para fins medicinais e científicos. Garantir o efetivo cumprimento deste artigo da Lei de Drogas pode não apenas universalizar o acesso, mas também permitir o desenvolvimento tecnológico e econômico do país”, argumenta o advogado Rodrigo Mesquita, que é vice-presidente da Comissão de Direito da Cannabis da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e relator do grupo de trabalho do Conselho Nacional de Política sobre Drogas (Conad).
O objetivo do Conad é discutir lacunas jurídicas nesse assunto.
A falta de regulamentação dificulta o plantio para fins medicinais e científicos – que só é autorizado pela Justiça -, fazendo com que as empresas que produzem medicamentos à base de maconha no Brasil tenham que importar os insumos – o que aumenta o preço final para o paciente e representa um obstáculo ao desenvolvimento deste mercado nacional.
“Vários fatores dificultam a acessibilidade, sendo o principal deles o custo. Além disso, falta conhecimento da classe médica sobre os limites e novas pesquisas, bem como o uso consciente e correto desses produtos no dia a dia dos pacientes”, avalia Helder Dario de Oliveira, diretor científico da FarmaUSA, empresa que desenvolve medicamentos à base de canabidiol (CBD, uma das substâncias da maconha).
“A educação médica é fundamental para aumentar a acessibilidade a novos produtos, mas o custo e a falta de diversidade de produtos no Brasil ainda são fatores críticos”, finaliza.
E os principais impactados por essas limitações regulatórias são os cerca de 450 mil pacientes de maconha medicinal no Brasil estimados pela Abicann. Esse impacto não se limita ao financeiro, mas se estende ao prejuízo.
“Nos últimos 10 anos que atuei em pesquisa e desenvolvimento com produtos de Cannabis, o principal estigma observado é a percepção de que não se trata de medicamentos, mas sim de um produto artesanal, de qualidade e controle duvidoso”, aponta o científico diretor da FarmaUSA.
“Este estigma atinge até famílias que rejeitam tratamentos potencialmente eficazes para os seus entes queridos, temendo estar a lidar com uma droga como as encontradas nas ruas”, afirma.
“O conhecimento quebra preconceitos, principalmente quando nos referimos à acessibilidade aos medicamentos. O conhecimento científico, as evidências clínicas e os estudos clínicos são fundamentais para que possamos ter um arcabouço científico-tecnológico e responder de forma honesta, sincera e direta sobre a Cannabis”, afirma.
“A acessibilidade aos medicamentos só aumentará assim, com mais investigação e conhecimento, pois o conhecimento é o único instrumento que conheço capaz de quebrar preconceitos”, conclui.
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