Um novo estudo mostrou que o uso de tirzepatidaum componente presente em medicamentos para perder peso, pode reduzir os sintomas e a gravidade da apneia obstrutiva do sono em pacientes com obesidade. Os resultados do estudo foram publicados no New England Journal of Medicine no dia 21 de junho e apresentados nesta sexta-feira (28) no Congresso Internacional sobre Obesidade (ICO) 2024, que acontece em São Paulo.
A tirzepatida é o princípio ativo presente em medicamentos para emagrecer, como o Zepbound, e para tratamento de diabetes tipo 2, como o Mounjaro, ambos da farmacêutica Eli Lilly. A molécula atua como agonista duplo do GLP-1 e do GIP, hormônios gerados no intestino e liberados após as refeições. Isso significa que o medicamento tem a capacidade de aumentar a produção de insulina pelo pâncreas para manter o controle do açúcar no sangue e induzir sensação de saciedade.
A apneia do sono é um distúrbio caracterizado por pausas temporárias na respiração durante o sono. Essas pausas, conhecidas como apneias, ocorrem quando as vias aéreas superiores ficam bloqueadas ou colapsam, impedindo o fluxo de ar para os pulmões. Um dos principais fatores de risco para a doença é a obesidade.
Diante disso, o Conjunto de estudos SURMOUNT-OSA avaliaram o uso de tirzepatida em adultos com obesidade e apneia obstrutiva do sono moderada a grave. Para isso, foram realizadas duas análises: uma com pacientes que não estavam em uso de terapia com pressão positiva nas vias aéreas (CPAP), tratamento convencional para apneia do sono, e outra com pacientes que já faziam uso e planejavam continuar com CPAP durante o estudo.
No total, os dois estudos contaram com 469 participantes de diversos países, incluindo o Brasil. Aleatoriamente, parte dos pacientes recebeu a dose máxima tolerada de tirzepatida (10 mg ou 15 mg), enquanto a outra parte recebeu placebo. O estudo durou 52 semanas.
Redução de até 62,8% em eventos de apneia
De acordo com a pesquisa, os pacientes que usaram tirzepatida para tratar a apneia obstrutiva do sono alcançaram um redução de até 62,8% no Índice de Apneia-Hipopneia (que representa o número de eventos respiratórios por hora e determina a gravidade da doença), em comparação com quem usou placebo. Isso equivale a cerca de 30 eventos a menos que restringem ou bloqueiam o fluxo de ar de uma pessoa por hora de sono.
Além disso, entre os participantes que não estavam em terapia com CPAP, 43% que usaram tirzepatida na dose mais alta atenderam aos critérios de “remissão” da doença. Entre aqueles que faziam terapia com CPAP, o índice foi ainda maior: 51,5%. Isso significa que eles experimentaram menos de cinco eventos de apneia por hora de sono. Além disso, esses participantes também obtiveram pontuação inferior a 10 na Escala de Sonolência de Epworth (ESE), questionário padrão desenvolvido para avaliar a sonolência diurna.
“Em média, os pacientes tiveram 50 eventos de parada respiratória em uma hora de sono antes da intervenção. Os resultados do estudo mostraram que os participantes tratados com tirzepatida tiveram 30 eventos de parada respiratória a menos por hora de sono”, explica Luiz Magno, diretor médico da Eli Lilly do Brasil, ao CNN.
Além disso, os pacientes tratados com tirzepatida em ambos os estudos experimentaram melhorias significativas nas condições de saúde relacionadas à apneia obstrutiva do sono, como melhorias na pressão arterial, carga hipóxica (baixa oxigenação durante o sono) e níveis de proteína C reativa (PCR), um marcador de inflamação, em comparação com placebo.
“A AOS pode prejudicar a qualidade de vida dos pacientes e afetar a saúde de uma pessoa a longo prazo quando não tratada, porque pode levar a complicações cardiometabólicas graves. Esses dados apoiam a eficácia da tirzepatida em adultos obesos que vivem com AOS moderada a grave e aumentam nosso arsenal terapêutico para tratar a doença”, disseram Atul Malhotra, professor de medicina da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia em San Diego, e Peter C. Farell, diretor de medicina do sono da UC San Diego Health, em comunicado.
Como funciona a tirzepatida na apneia do sono?
Para entender como a tirzepatida atua no tratamento da apneia do sono, primeiro é necessário entender a relação entre a doença e a obesidade. Segundo Luciano Drager, cardiologista e presidente da Associação Brasileira do Sono, um dos principais fatores de risco para a apneia do sono é o excesso de peso corporal.
“Na obesidade, geralmente há depósito de gordura não só na região do abdômen, mas também na região do pescoço, língua e garganta. Esse tecido adiposo, quando há relaxamento muscular causado pelo sono, envolve as vias aéreas, ajudando a fechar a passagem do ar durante o sono”, explica. CNN.
Atualmente, o principal tratamento para a apneia do sono é o uso de CPAP, porém, mudanças no estilo de vida que promovam a perda de peso — como alimentação saudável e atividade física — também são fundamentais para o sucesso do tratamento.
“No entanto, a adesão [a essas mudanças de estilo de vida] é difícil. As pessoas têm dificuldade em perder peso devido a uma série de fatores”, diz Drager. “Hoje, temos vários tratamentos mais afetivos para combater a obesidade e que, por sua vez, podem melhorar inúmeras doenças relacionadas ao quadro, inclusive a apneia do sono”, completa.
Na visão de Drager, o uso da tirzepatida em pacientes com obesidade e apneia pode ser eficaz na promoção da perda de peso e, consequentemente, no tratamento dos distúrbios do sono. “Trata-se de um medicamento que atua tanto na liberação de insulina quanto no sistema nervoso central, inibindo e controlando a fome”, explica.
Porém, durante a apresentação do estudo no ICO 2024, Richard Schwab, um dos autores do estudo e professor de Medicina do Hospital da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, afirma que ainda não se sabe se a ação A influência da tirzepatida na redução dos sintomas da Apneia Obstrutiva do Sono está diretamente relacionada à ação da molécula sobre a doença, ou se é consequência da perda de peso causada pelo medicamento.
“Ainda é cedo para afirmar que o tratamento farmacológico com tirzepatida substituirá o tratamento tradicional, primeiro porque nem todos os pacientes com apneia são obesos. Mas a tirzepatida pode ser uma opção importante a acrescentar ao tratamento da apneia, principalmente entre os pacientes que não aderem bem às mudanças de estilo de vida visando a perda de peso”, acrescenta Drager.
Tirzepatida é aprovada no Brasil para tratamento de diabetes tipo 2
Atualmente, a tirzepatida está aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o tratamento do diabetes tipo 2 com o nome comercial Mounjaro, da Eli Lilly. Segundo Magno, a farmacêutica já solicitou à agência a aprovação da molécula para o tratamento da obesidade. “Também pretendemos submeter a tirzepatida para tratamento da apneia do sono no Brasil o mais rápido possível”, diz ela.
Questionado sobre quando Mounjaro estará disponível para venda no Brasil, o diretor médico da Eli Lilly do Brasil respondeu que ainda não há previsão. “Há uma grande demanda global pelo medicamento e queremos garantir que teremos estoque suficiente para atender esses pacientes antes de lançarmos o medicamento no Brasil, para que não falte produto”, afirma.
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