Num momento em que os brasileiros ainda acompanham, quase incrédulos, as consequências causadas pelas tempestades de abril e maio no Rio Grande do Sul, o Brasil recebeu a visita do arquiteto e paisagista chinês Kongjian Yu, criador do conceito de cidade esponja, que utiliza a própria natureza para resistir melhor à crescente ocorrência de tempestades.
“Espero que o Brasil possa ser uma referência sobre como devemos construir o mundo”, afirma o professor da Universidade de Pequim, que veio ao país a convite do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Na última terça-feira (18), ele participou de um seminário na sede do banco, no Rio de Janeiro, sobre experiências nacionais e internacionais na reconstrução de cidades devastadas por tragédias ambientais.
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O encontro foi motivado pela calamidade que atingiu o Rio Grande do Sul, classificada pelo governador gaúcho, Eduardo Leite, como o “maior desastre climático do Brasil” em extensão territorial e impacto econômico. Mais de 170 mortes foram confirmadas.
Kongjian Yu destacou que ficou impressionado com a ênfase que o BNDES tem dado às questões relacionadas à busca por um futuro mais verde. “Nunca tinha ouvido uma instituição financeira falar tanto sobre mudanças climáticas, soluções verdes e determinação para que o Brasil se tornasse referência na construção de um futuro sustentável”, disse.
“Estou orgulhoso de estar aqui para partilhar a minha experiência sobre como o planeta pode ser sustentável”, acrescentou.
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Origem camponesa
Yu disse que começou a pensar no conceito de cidade esponja quando percebeu que a aldeia onde vivia, em Zhejiang, uma província no leste da China, estava a ser repetidamente afetada por inundações.
Segundo o professor, os problemas se agravaram à medida que avançava o que ele chama de “infraestrutura cinza”, a presença cada vez maior do concreto nas cidades, a canalização de rios e a impermeabilização de grandes áreas.
Dessa forma, colocou em prática projetos paisagísticos que privilegiam a própria natureza para lidar com as enchentes, priorizando grandes áreas alagáveis e a presença de vegetação nativa. Assim, partes das cidades tornam-se uma espécie de esponja, com capacidade de receber inundações e dar “tempo” para a água escoar, reduzindo os danos às áreas habitadas.
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“A enchente não é mais um inimigo, em suma.
O sucesso do projeto de Yu fez com que o paisagismo urbano de esponja fosse usado em maior escala em mais de 250 cidades chinesas e também replicado fora do país.
Em 2023, o espírito pioneiro e o alcance do conceito renderam a Yu o Prêmio Internacional de Arquitetura Paisagista Cornelia Hahn Oberlander.
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O conceito desenvolvido por Yu não se limita a criar áreas cujo único propósito é ser um espaço inundável. Trabalha com a harmonização entre edifícios e natureza. Os exemplos mais comuns são os parques que, durante a estação seca, são frequentados por pessoas. Muitas são um emaranhado de trilhas e passarelas cercadas por pequenos lagos e muito verde. “Seguro e bonito”, ele descreve.
Yu atribui esse conhecimento de lidar com o meio ambiente sem intervenções drásticas – construindo muros de contenção e canalizando rios – à sabedoria dos ancestrais.
“Não é novidade para quem vive em regiões de monções há milhares de anos”, disse ele, referindo-se à estação dos ventos que provocam tempestades no Sudeste Asiático.
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Contra a infraestrutura cinzenta
Kongjian Yu critica a infraestrutura cinzenta.
“Gastamos milhares de milhões de dólares canalizando rios, construindo barragens, diques, tentando impedir que cidades e aldeias sejam inundadas.”
Segundo o arquiteto, essas intervenções devem ser consideradas para resolver questões imediatas apenas no curto prazo. “Nem há barragens sempre seguras, o que aumenta o perigo potencial de inundações”, disse ele.
“Espero que o Brasil possa aprender com isso. Aprendam com o que correu mal na China”, alerta, referindo-se ao uso crescente de intervenções de engenharia.
Ele também menciona que a produção de cimento é emissora de gases de efeito estufa. Portanto, a redução da presença de infraestrutura cinzenta contribui diretamente para a redução do nível de poluentes lançados na atmosfera.
O paisagista chinês defende que o conceito de cidade esponja é uma solução sistemática para uma trajetória de resiliência, uma filosofia oposta às infraestruturas cinzentas, e que consiste em reter a água onde ela cai. “Essa é a ideia do planeta esponja”, ressalta.
O professor da Universidade de Pequim explica que parte da subida do nível do mar – fenómeno que ameaça ilhas e países costeiros – se deve ao escoamento das águas pluviais e, segundo Yu, se esta água for armazenada na região onde ocorrem as chuvas, poderá ser absorvidos na mesma área, reduzindo o volume levado aos oceanos.
Brasil
Yu elogiou a biodiversidade brasileira e se entusiasmou com o papel que o Brasil pode desempenhar no planeta. “Você é uma esperança, você ainda é um país muito jovem.”
Apesar do otimismo, criticou a forma como a agricultura é cultivada. “Vejo quilômetros e quilômetros de soja. Não há espaço para água. Você pode estar usando as técnicas erradas. Uma solução pequena e simples pode mudar drasticamente a situação: transformar a terra numa esponja para captar mais água”, recomendou.
O arquitecto considera que um dos primeiros passos para a criação de cidades-esponja é a elaboração de um plano director, em que fique claro “que espaço disponibilizar para água e onde não construir”.
Ele recomenda que as áreas inundáveis sejam preenchidas com florestas, parques e lagos. “Nossa solução é remover o muro. Deixe a água entrar. A água irriga o parque.”
Os muros de contenção são, na visão do paisagista, uma ameaça. Ele explica que quando ocorrem transbordamentos, as superfícies de concreto funcionam como barreiras que impedem o retorno da água ao leito do rio.
Outro fator negativo é que os rios canalizados – geralmente mais retilíneos e com menos curvas que as rotas naturais – aumentam a velocidade do fluxo das águas, em vez de desacelerá-lo.
Segundo Yu, é necessário um planejamento para que os rios canalizados se transformem em rios esponjas, com vegetação, pequenas ilhas verdes que absorvem parte da água. “Temos que pensar grande”, incentiva.
Ele entende que, em vez de quilômetros e quilômetros de muros de contenção, é preferível criar um “muro lindo que respira, com vegetação nativa, um corredor verde, bem no meio da cidade”.
Kongjian Yu considera que iniciativas individuais também podem ajudar as cidades a desempenhar melhor o seu papel de esponjas. Ele dá o exemplo de prédios e apartamentos que podem absorver água da chuva. “É possível coletar e levar para a varanda, irrigando hortas”, detalha.
“Precisamos repensar a forma como reconstruímos nossas cidades. Procure uma solução baseada na natureza”, finaliza.
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