Todos os dias, 62 jovens são assassinados no Brasil, numa dinâmica que desafia as autoridades a tentar impedir a cooptação das novas gerações pelo crime organizado e a consequente vitimização dos grupos mais jovens. Em 2022, praticamente metade (49,2%) dos 46,4 mil homicídios registrados no país tiveram como vítimas pessoas entre 15 e 29 anos.
É o que apontam dados divulgados nesta terça-feira, 18, na nova edição do Atlas da Violência, relatório produzido anualmente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O documento indica que, em 2022, de cada cem mortes de jovens no Brasil, um terço (34) será por homicídio —e grande parte delas por arma de fogo.
Ao considerar a série histórica dos últimos onze anos (de 2012 a 2022), foram 321,4 mil vítimas entre 15 e 29 anos de violência letal no país. A maioria das vítimas são homens negros.
“Eles são a força de trabalho (do crime organizado). Principalmente os jovens periféricos, pretos e pardos, que são atraídos o tempo todo pelo mundo do crime, abandonam muito cedo os estudos e não veem oportunidades no mercado de trabalho”, aponta Samira Bueno, uma das coordenadoras e executivas do Atlas. diretor do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A taxa de homicídios registada para esta faixa etária foi de 46,6 por cada 100 mil habitantes em 2022, representando uma redução de 4,9% face ao verificado no ano anterior.
Ainda assim, este é um patamar bem acima da taxa total de homicídios, que se situou em 21,7 — com 46,4 mil casos registados -, uma queda de 3,6% face ao ano anterior.
“Uma taxa de homicídios de 21 para cada 100 mil pessoas ainda é muito alta, em qualquer medida. Mas quando olhamos para os jovens, estamos falando de um índice quatro vezes maior”, aponta Samira. Isso porque, ao considerar apenas os homens entre 15 e 29 anos, a taxa sobe para 86,7.
Crime migra para fora das capitais
Além do número significativo, vale ressaltar que, nos últimos anos, essas mortes deixaram de estar concentradas nas grandes capitais. “O crime organizado está presente até em cidades pequenas do interior, com jovens muitas vezes trabalhando como ‘avionezinhos’ e envolvidos no tráfico de drogas. Não é à toa que esse perfil é tão específico: jovens negros e pardos”, completa a pesquisadora.
Samira destaca que pesquisas recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e de outras entidades mostram que o tráfico de drogas passou por um processo de internalização nos últimos anos, seja para consolidar rotas de cocaína, seja para estabelecer novos mercados consumidores. “Há 20 anos, essa violência era muito típica das grandes capitais”, diz ela.
Diante disso, regiões como Centro-Oeste e Norte entraram no radar de organizações como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), consideradas as duas maiores facções brasileiras. Em alguns casos, como mostra o Estadão, a presença desses grupos impulsiona até mesmo o aumento de crimes ambientais e oferece riscos às populações que antes ocupavam os territórios de forma pacífica.
Estados do Norte e Nordeste tiveram os maiores aumentos de mortes entre jovens
O Atlas da Violência aponta que houve aumento significativo na taxa de homicídios juvenis nos seguintes estados: Piauí (64,6%), Bahia (23,5%) e Amazonas (19,5%) em 2022. Entre as unidades federativas que apresentaram a maior redução na taxa de homicídios de jovens entre 15 e 29 anos, estão o Distrito Federal, São Paulo e Goiás, que, respectivamente, tiveram quedas de 72,1%, 58,9 e 49%.
O Estado de São Paulo teve a menor letalidade por faixa etária em 2022 (10,8), seguido por Santa Catarina (13,3) e Distrito Federal (19,3).
Os maiores indicadores pertenciam à Bahia (117,7), Amapá (90,2) e Amazonas (86,9).
“A Bahia é um estado que precisa repensar sua política, pois sustenta taxas muito superiores à média nacional”, afirma Samira. A alta letalidade policial é ponto de atenção no Estado, como mostra a última edição do Anuário. “Na mesma região, a Paraíba, por exemplo, que é um estado muito próximo, tem taxas bem mais baixas e tem conseguido implementar políticas muito focadas, com foco na prevenção.”
Em 2022, a vitimização de pessoas negras (soma de pretos e pardos) nos registros de homicídios correspondia a 76,5% do total de homicídios registrados no país, indica o documento. Foram 35,5 mil vítimas, correspondendo a uma taxa de 29,7 homicídios para cada 100 mil habitantes deste grupo populacional.
Em relação aos não negros — brancos, indígenas e amarelos — a taxa de homicídios em 2022 foi de 10,8, com 10,2 mil homicídios em números absolutos. “Em média, para cada pessoa não negra assassinada no Brasil, são mortas 2,8 pessoas negras”, indica o Atlas. Este perfil claro, alertam os especialistas, reforça a necessidade de políticas mais focadas.
Anos potenciais de vida perdidos ultrapassam 15,2 milhões
O Atlas aponta que, no contexto brasileiro, os 321,4 mil homicídios de jovens ocorridos entre 2012 e 2022 resultaram na perda de 15,2 milhões de anos potenciais de vida perdidos (APVPs). Os acidentes, segunda causa mais frequente, foram responsáveis por 7,5 milhões de anos potenciais de vida perdidos, enquanto os suicídios totalizaram 1,7 milhões de anos perdidos.
“Cada uma dessas pessoas poderia ter uma vida produtiva e ter sua vida ceifada prematuramente devido a uma violência que é absolutamente evitável. O que é algo que, com políticas públicas, pode ser reduzido”, aponta Samira Bueno.
No período analisado, as armas de fogo se destacaram como responsáveis pela maior parcela de anos perdidos, tirando 12,4 milhões de anos da juventude brasileira, segundo dados levantados no Atlas. Em segundo e terceiro lugar estão, respectivamente, os homicídios causados por instrumentos perfurocortantes, como facas, e por objetos contundentes, como pedaços de madeira.
O método utilizado pelos pesquisadores contabiliza o número de anos de vida perdidos por mortes prematuras, em comparação com uma expectativa de vida estabelecida – no caso do Atlas, era de 70 anos. A partir disso, considera a diferença entre a idade de morte de cada indivíduo e a expectativa de vida. Quanto mais cedo ocorrer a morte, maior será o impacto no indicador.
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