A piora da percepção da saúde fiscal do Brasil e uma política monetária mais contracionista nos Estados Unidos fizeram com que as taxas de juros reais de longo prazo atingissem o nível médio de 6,30%, o mais alto desde março de 2023.
O horizonte para as taxas não parece ser de trégua no curto prazo. O ambiente de incerteza em torno das contas públicas aumentou exponencialmente desde o início do mês, quando o governo decidiu enviar a Medida Provisória que compensava a desoneração da folha de pagamento, gerando fortes críticas do setor produtivo.
Somado a isso, o aparente esgotamento da agenda de captação de recursos do Tesouro e a falta de propostas voltadas ao corte de gastos não jogam a favor do governo.
Para o chefe de renda fixa do BNP Paribas Asset Management, Michael Kusunoki, do ponto de vista dos fundamentos macroeconômicos, a alta das taxas é explicada pelo momento difícil tanto do ponto de vista fiscal quanto monetário.
“A parte fiscal já é uma deterioração mais concreta com as mudanças de metas. Começamos a ver algo mais palpável em relação à percepção de risco com as contas públicas. A política monetária diz respeito ao que pode acontecer no futuro, desde a divisão entre os membros do Copom [na última reunião]. Algo que estava mais adiante… a última decisão adiantou essa discussão”, afirmou. A conclusão é que o contexto gera um prêmio de risco maior.
Um cenário menos favorável tem sido visto através das projeções do Boletim Focus – publicação do Banco Central (BC) que apresenta previsões para a economia. Na última edição, o mercado voltou a elevar as expectativas de inflação para 2024 e 2025.
Para Kusunoki, esse é o principal fator que pesa contra o ciclo de queda da Selic. A redução dos juros, na sua opinião, deveria ser estancada no patamar de 10,50% ao ano, patamar ainda considerado elevado.
O título por trás do interesse
Nesse cenário, chama a atenção dos economistas que as taxas de juros reais extraídas das Notas do Tesouro Nacional Série B (NTN-B) de longo prazo estão operando acima de 6%.
“A taxa de juros de uma NTN-B é importante porque representa a taxa de juros real da economia. Em última análise, será o custo de oportunidade do investimento no Brasil. Então quando você olha uma taxa de juros de NTN-B acima de 6%, estamos dizendo que o investimento no Brasil tem que dar um retorno acima de 6% para valer a pena”, afirma Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners.
Além das questões macroeconômicas, a medida governamental que trouxe a tributação para os fundos exclusivos provocou a migração de capitais para títulos isentos de impostos, aumentando a concorrência das NTN-B de longo prazo.
Com a maior concorrência, a procura por títulos do Tesouro diminuiu. Portanto, com os títulos menos procurados, os juros pagos pelos títulos tendem a subir para aumentar a sua atratividade aos olhos dos investidores.
Nesse sentido, a variação do fluxo é um fator importante para a compreensão da manutenção das taxas de juros reais de longo prazo em patamares elevados. “Hoje não temos fluxo de compradores de NTN-B. Desfavorece esse ativo”, diz Kusunoki.
Por funcionar como um “empréstimo” de dinheiro ao governo, a NTN-B também é uma importante ferramenta de captação de recursos. Mas, com menos fluxo e mais concorrência, na prática, há menos gente para financiar a dívida pública.
“É uma taxa muito alta. Esse mesmo nível em que o Tesouro se financia tende a se tornar um problema do ponto de vista fiscal, porque fica mais caro rolar dívidas nessas taxas. Rolar a dívida pública é um nível de taxa insustentável”, explica Kusunoki.
O macroestrategista do BTG Pactual Portfolio Solutions Álvaro Frasson destaca que também é importante ficar atento às taxas de juros neutras – taxa que não acelera nem desacelera a inflação. Isso porque, se a taxa de juros neutra for, de fato, maior, o potencial de rentabilidade da NTN-B é impactado.
Atualmente, o Banco Central (BC) trabalha com taxa de juros neutra de 4,5%. Contudo, membros da autoridade monetária sinalizaram que pode haver mudanças.
No início do mês, o diretor de Assuntos Internacionais e Gestão de Riscos Corporativos do Banco Central, Paulo Picchetti, disse que a estimativa atual de 4,5% para a taxa de juros real neutra deve ser revisada no próximo Relatório Trimestral de Inflação (RTI). .
“O interesse neutro é essencial para entender se o interesse de longo prazo é atrativo ou não. Em um ambiente de ciclo de corte [da Selic], as taxas de juro reais tendem a reduzir o seu nível para um nível próximo do nível neutro. Se a neutralidade do Brasil não for de 4,5%, talvez as NTN-B não sejam tão atrativas”, diz Frasson.
No curto prazo, os níveis deverão permanecer elevados e, segundo especialistas, só com sinais do governo através de projetos mais firmes que garantam um compromisso fiscal, as taxas cairão.
“O que poderia gerar uma melhoria é tentar avançar com o corte de gastos, isso seria positivo. Mas é tão difícil politicamente que o mercado coloca uma chance muito pequena, mas se isso acontecer, seria uma acionar para que as taxas caiam”, finaliza Kusunoki.
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