O plenário do Senado Federal deve retomar, nesta quarta-feira (5), a discussão e possível votação do projeto de lei (PL 914/2024) que estabelece o Programa de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), após ser adiado devido a divergências entre parlamentares em relação ao parecer apresentado pelo relator, senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL).
A proposta, de autoria do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)sofreu alterações ao longo de sua tramitação no Congresso Nacional − com a inclusão de “jabutis” (jargão político utilizado para se referir a assuntos estranhos ao objeto principal de um projeto de lei), como a tributação de compras internacionais abaixo de US$ 50,00, a exigência pela utilização de conteúdo local na exploração e escoamento de petróleo e gás ou pelo incentivo fiscal à produção nacional de bicicletas.
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O assunto é considerado estratégico na agenda da chamada “neoindustrialização”, expressa pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que também chefia o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
O texto repete pontos da medida provisória (MPV 1.205/2023) que perdeu validade no final de maio e prevê incentivo financeiro de R$ 19,3 bilhões em 5 anos e redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para estimular a pesquisa e o desenvolvimento de soluções tecnológicas e a produção de veículos com menores emissões de gases de efeito estufa. Os estímulos têm sido apontados pelo setor como um dos motivos dos anúncios de investimentos feitos pela indústria automotiva, totalizando R$ 130 bilhões para os próximos anos.
O artigo fala em “apoiar o desenvolvimento tecnológico, a competitividade global, a integração nas cadeias globais de valor, a descarbonização, o alinhamento com uma economia de baixo carbono no ecossistema produtivo e inovador” relacionado à produção de veículos leves e pesados, além de autopeças, avançar nas agendas lançadas pelos programas Inovar Auto, de 2012, e Rota 2030, de 6 anos atrás.
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De acordo com o projeto original, o Poder Executivo será responsável por estabelecer requisitos obrigatórios para a comercialização de veículos novos produzidos no país e importados, levando em consideração 4 eixos principais: 1) eficiência energética veicular, tanto no “tanque à roda” ciclo (ou seja, emissões associadas à operação de veículos leves e pesados em um ciclo de uso padronizado) e emissões de dióxido de carbono no ciclo “do poço à roda” (ou seja, emissões que têm origem na fase de extração de recursos naturais, passando por a produção e distribuição da fonte de energia, até a sua utilização em veículos); 2) reciclabilidade de veículos; 3) rotulagem integrada de veículos; e 4) desempenho estrutural e condução de tecnologias assistivas.
Também são esperados requisitos relacionados à pegada de carbono do produto, a partir de 2027, no ciclo “do berço ao túmulo” (ou seja, emissões de gases de efeito estufa do “berço à roda”, mais aqueles gerados desde a extração de recursos e na fabricação de autopeças , montagem e descarte de veículos) e possibilidade de definição de metas por escopo.
Em caso de descumprimento de metas ou importação ou venda de veículos sem ato de registro de compromissos validado pelo MDIC, estão previstas multas compensatórias, a serem pagas na forma de investimentos, no país, em pesquisa, desenvolvimento e projetos de inovação em programas prioritários de apoio ao desenvolvimento industrial e tecnológico do setor automotivo e sua cadeia.
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Do lado da tributação por meio do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o texto prevê a adoção de metodologia de “bônus e malus”, de acordo com as externalidades negativas ou positivas dos veículos leves, que deverá considerar também a fonte de energia e a tecnologia de propulsão , potência do veículo e pegada de carbono. Os veículos que receberem o selo sustentável poderão ter alíquota de IPI diferenciada.
Para ter acesso aos incentivos do programa Mover, as empresas devem ser autorizadas pelo MDIC e aplicar percentuais mínimos da receita bruta de bens e serviços automotivos na pesquisa e desenvolvimento de soluções alinhadas à descarbonização e à incorporação de tecnologias assistivas nos veículos. Tanto a incidência do IPI quanto as regras para viabilização de projetos de acesso a incentivos financeiros já foram tratadas por dispositivos infralegais editados pelo Poder Executivo.
Mudanças e “tartarugas”
Ao longo de sua tramitação na Câmara dos Deputados, o projeto sofreu uma série de modificações, passando de 17 páginas de legislação em sua versão original para 47 no parecer final do relator, deputado Átila Lira (PP-PI). Alguns dos pontos incluídos, no entanto, tratam de assuntos fora da agenda de inovação em mobilidade e de redução de emissões de gases de efeito estufa pelo setor automotivo e têm gerado polêmica.
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Uma delas inclui a cobrança de 20% de Imposto de Importação nas compras internacionais de pessoas físicas abaixo de US$ 50,00 – atualmente isentas. O movimento responde parcialmente à pressão do setor produtivo nacional, que alega perda de competitividade com suposta vantagem injustificada de gigantes internacionais do comércio eletrônico (como Shein, AliExpress e Shopee). Um dos envolvidos na discussão, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) reconheceu a importância do movimento, mas disse que “ainda é insuficiente para evitar a concorrência desleal”. Posição semelhante foi manifestada pelo Instituto de Desenvolvimento do Varejo (IDV), pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) e pela Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX).
Inicialmente, o parecer de Átila Lira propunha acabar com a isenção para compras internacionais nessa faixa de preço, equiparando-as a outras situações de importação (que têm alíquota de 60%, limitada ao valor máximo de US$ 3.000,00), o que levaria a alíquota efetiva para 90 % (considerando os 17% já cobrados em ICMS pelos estados). Mas a resistência de parte da ala política do governo e do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), temeroso do impacto da iniciativa na popularidade e nas relações com a China, levou a negociações para uma versão mais moderada. Após aprovação, Lula se comprometeu a não vetar o trecho.
Outro “jabuti” incorporado ao texto votado pelos deputados trata da exigência de conteúdo local para atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural em regime de concessão e partilha.
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Hoje já existem exigências impostas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia, mas a emenda aprovada pelos parlamentares transforma essa obrigação em lei nos contratos assinados até 2040 e diferencia os percentuais exigidos para mercadorias e serviços. Por exemplo, na fase de exploração, é necessário 20% de conteúdo local global. Na fase de construção de poço (uma das fases incluídas na fase de desenvolvimento), o conteúdo local mínimo é de 30%, sendo 25% de bens e 5% de serviços.
A versão aprovada pela Câmara dos Deputados incluía ainda um “regime especial de incentivo à mobilidade verde”, com foco na produção e utilização de bicicletas com e sem marchas e bicicletas elétricas. O dispositivo, que sozinho ocupa mais de 6 páginas de texto, prevê a redução gradativa da cobrança do IPI, com o objetivo de incentivar a produção nacional de bicicletas. O desconto pode chegar a 100% se todas as etapas forem concluídas, desde a fabricação do garfo, guidão e aro até a pintura e montagem final do produto.
Impasse no Senado
O projeto foi alvo de novos embates durante sua tramitação no Senado Federal. A votação da matéria foi suspensa ontem (4) em meio a divergências após o relator do texto na casa legislativa, senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL), apresentar parecer excluindo a tributação de compras internacionais até US$ 50,00 − que passou a ser conhecido popularmente como imposto sobre “blusas”, devido ao alto volume de roupas compradas por brasileiros em sites de comércio eletrônico estrangeiros.
A questão desencadeou uma nova crise entre o Palácio do Planalto e a Câmara dos Deputados. Em meio ao risco de o dispositivo sair do texto, o presidente da casa legislativa, Arthur Lira (PP-AL), ameaçou não colocar o projeto em votação (o texto precisará passar por nova apreciação dos deputados caso os senadores modifiquem a versão aprovada na casa iniciadora) caso o governo não cumpra o acordo de levá-la para sanção.
O relator do Senado, Rodrigo Cunha, também retirou de seu parecer a exigência de utilização de conteúdo local na exploração e escoamento de petróleo e o trecho que previa o incentivo fiscal do IPI para a produção de bicicletas, sob a alegação de riscos de perda de vantagem competitiva da Zona Franca de Manaus (ZFM).
A expectativa é que a votação do projeto seja retomada nesta quarta-feira (5), em plenário marcado para as 14h (horário de Brasília). Caso o texto seja aprovado com modificações em relação à versão enviada pelos deputados, precisará passar por nova análise da Câmara antes de seguir para sanção presidencial.
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